quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Uma criança, uma mãe, um pai e....outro pai?

As vicissitudes das relações afetivas, as facilidades cada vez mais trazidas pela legislação brasileira aos casais que não mais se amam para que possam ver-se rapidamente “livres” uns dos outros ocasionam, infelizmente, certa confusão a muitos que pensam ser o vínculo parental tão passível de ser “provisório” quanto uma relação amorosa. Verifica-se tal a partir do elevado número de ações judiciais com intuito de que seja retificada (ou meramente anulada) a certidão de nascimento de filhos cujo registro tenha sido efetuado, por exemplo, pelo companheiro da genitora à época do nascimento do(s) infante(s).


O Direito de Família é calcado cada vez mais no “afeto” como primordial princípio de sua sistemática, buscando guiar-se e fazer prevalecer o amor e a cumplicidade em detrimento de formalismos exacerbados, refutados pelas atuais e consagradas interpretações do ordenamento jurídico. Arraigado neste contexto de mudanças que se perfectibilizam de forma crescente em nossa jurisprudência atual (mormente com o advento da Carta Magna de 1988, que declarou a igualdade entre todas as espécies de filhos – adotados ou biológicos), surgiu o conceito da filiação socioafetiva, também denominada “adoção à brasileira”. Trata-se do registro espontâneo, puro e simples da criança por um pai não biológico, procedimento desvinculado das exigências legais pertinentes à adoção, sem qualquer cautela. Geralmente, quem procede neste registro é o atual marido da mãe do infante, companheiro ou namorado seu. Em qualquer das hipóteses, no entanto, passa, aquele indivíduo, a ser o verdadeiro PAI da criança, na ausência ou relutância do genitor para registrá-lo.


Ora, como, no futuro, desfazer o liame afetivo que se inicia naquele momento do registro? E o carinho e amizade nascidos naquela sólida relação amorosa da criança com quem tem como seu pai? “Pai” não é aquele que colaborou com a formação física e biológica da criança, mas aquele que a levou à escolinha, ao futebol e ao ballet. Também não é aquele que, anos mais tarde, quiçá mais maduro e responsável, após alguns choques de realidade da vida, deseja registrar aquele filho nascido há tantos (ou mesmo poucos) anos atrás, mas aquele que esteve presente em todo e cada momento, educando, abraçando, aplaudindo, ensinando, fortificando e, incondicionalmente, amando seu FILHO.


Não se está a dizer que não é possível, por exemplo, a realização de um futuro exame de DNA. Lógico que não. Todo ser humano tem o direito de conhecer sua origem genética. No entanto, indiscutível a primazia do afeto ao laço sanguíneo. Como, friamente, retificar um registro de nascimento para que não mais espelhe a realidade vivenciada pelos três envolvidos, anulando o nome daquele que gerou tanto amor para preenchê-lo com o nome do mero “genitor”? Não se pode ter “dois pais”, mas um PAI e um GENITOR. A filiação socioafetiva constrói a história e identidade de todo indivíduo, afetando sua personalidade e valores de vida, os quais são eternizados.


Sinteticamente: uma vez registrado um filho, para sempre filho, para sempre pai. No entanto, hipóteses diversas e que exigem outra solução podem, sim, surgir, como quando aquele que “adotou brasileiramente” sequer manteve contato com o infante, ausente qualquer socioafetividade. Também deve ser diversa a interpretação quando presente prova cabal de que o pai tenha sido induzido a erro ou coagido no momento do registro.


A regra é clara, tutelando os direitos de personalidade e fazendo predominar o amor e o afeto em detrimento de laço biológico puro, que deve ser visto como simples (e combatido) critério dos tantos existentes no que tange à determinação da filiação, cujo amor peterno-filial veda qualquer outro elemento passível de análise.