quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A polêmica indenização por ruptura de noivado (artigo publicado no ESPAÇO VITAL em 26/10/2011 e no Jornal do Comércio em 08/11/2011)

Necessária certa cautela quando se está a falar de danos morais emergentes de relação afetivo-familiar. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátrias (e mesmo estrangeiras) carecem de entendimento pacífico quando o tema em voga é o dever (ou não) de indenização a partir do rompimento injustificado dos esponsais. Por “esponsais” entenda-se, pois, noivos, namorados que exprimem publicamente o intento do casamento; os nubentes, os “casamentandos”, aqueles indivíduos, portanto, que são já além de namorados mas menos ainda do que marido e mulher. Quem não conhece algum casal nesta situação, ou que nela permaneceu por período bastante significativo?


Inúmeras são as ações judiciais que visam à condenação do parceiro que súbita e desmedidamente optou pelo término do enlace afetivo prévio ao casamento,quando já cientes ambas as famílias, amigos e comunidade dos esponsais em geral que em breve operacionalizar-se-ia mais um “feliz” casamento. Malgrado não haja expressa previsão no código civil quanto ao dever de indenizar danos morais advindos de aludidas ocorrências, encontra-se no ordenamento jurídico, especificamente no instituto da responsabilidade civil, respaldo legal à dita possibilidade.

Não é, todavia, o instituto, aplicável a todo e qualquer entrechoque afetivo, sendo imprescindível sempre uma profícua análise das circunstâncias que permearam aquela  inesperada e unilateral ruptura, devendo o dano constatado extrapolar uma forte mágoa, um reles dissabor, uma irritação ou mesmo, ainda, uma ferida emocional inerente a qualquer final de relacionamento de tal porte (e estamos a falar de noivados, não esqueçamos). Encontra-se na doutrina e jurisprudência exemplos de rupturas passíveis de indenização por responsabilidade extracontratual tais como o anuncio exarado pelo noivo de que não mais pretende casar-se no mesmíssimo dia do “chá de panelas” da noiva, ou, ainda, o cancelamento do festejo em uma cidade pequena de interior, onde todos os habitantes logo estarão por completo cientes do trágico desfecho afetivo do casal.

Não de pode olvidar que mesmo em hipóteses em que não aferidas com claridão tais “anomalias” casuísticas, nada obsta a condenação por danos materiais, estes atinentes, neste prisma, a gastos com convites, locação de salão, vestido e afins para a cerimônia, consequências portanto também tuteladas pelo Direito das Obrigações, porque, em realidade, o noivado nada mais é do que espécie de contrato preliminar ao do casamento.

Eis este um dos poucos institutos do direito familista hoje propensos a uma criteriosa análise de circunstâncias permissivas ou impeditivas à indenização por danos morais. Ora, a existência de danos morais nesta seara não está e sequer já esteve em questão, afinal, mais cruéis dores não existem do que aquelas tecidas no seio de uma família. Ocorre que por serem (em sua maioria) tais mágoas comuns a todos os seres humanos em dado momento da vida, o melhor entendimento é aquele que reputa necessariamente circunscritas tais intervenções estatais na vida privada a situações ímpares, díspares, cujos contornos tornem-nas necessariamente merecedoras de especial atenção e tratamento jurídicos. Creiamos, infelizmente: destas o mundo está repleto...