quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Usucapião Familiar: ônus e bônus

Desde que publicada a Lei nº 12.424 (de 16 de junho de 2011), abordagens deveras interessantes têm sido apresentadas por inúmeros juristas quando da tomada de posicionamento crítico em relação à publicação de referida Lei, a qual acresceu o art. 1.240-A ao Código Civil brasileiro.

Ateve-se dito acréscimo a agregar uma nova modalidade ao gênero “usucapião”, denominada, já na prática, como “familiar”, “pró-familia”, “por abandono de lar”, dentre diversas sugestões recorrentemente lançadas. O lacônico artigo recém-nascido declara que adquirirá o domínio integral do imóvel aquele que exercer, por 02 anos ininterruptos, a posse de imóvel urbano de até 250 m² de forma direta, exclusiva e pacífica, com animus de moradia, devendo-se comprovar, outrossim, não ser proprietário de outro imóvel que não aquele. No entanto, o que vem inflamando tantos debates e embates é o também requisito necessário “abandono de lar” do ex-parceiro afetivo. Tal requisito deverá ser comprovado por parte do usucapiente com relação ao cônjuge ou companheiro então ainda co-proprietário do bem de raiz, de modo a – consoante sugere o texto do artigo – elucidar-se como e há quanto tempo se procedeu dito abandono de lar.

Ora, analisemos o seguinte: o substrato lógico do preceito legal é tão-somente o de proteger aquele que exclusivamente exerça a posse do bem imóvel há, minimamente, 02 anos. Infeliz o legislador ao utilizar-se da expressão “abandono de lar” quando patente a impropriedade da discussão quanto à existência ou não de culpa pela separação de um casal, sobremaneira quando já há um ano de publicada a Emenda 66/10, que então extirpou o instituto da separação do ordenamento jurídico vigente.

Não se pode deixar de reconhecer que a novidade em voga incita a imediatidade da partilha de bens tão logo as partes decidam por separar-se de fato, o que somente proporciona maior segurança patrimonial à vida de todos envolvidos, não raro sendo, infelizmente, as incansáveis buscas, mundo afora, por ex-cônjuge ou companheiro com o fito de se ultimar a divisão equânime de bens, já que com frequência a ruptura afetiva desemboca no “desconhecimento” das condições de vida ou paradeiro do ex-parceiro.

Por outra banda, não se pode olvidar que o motivo recorrente que subjaz uma abrupta saída do lar pode estar relacionado a agressões físicas, morais, ameaças, constrangimentos e, portanto, a uma verdadeira e coagida “expulsão” domiciliar. Não pode o então único residente do imóvel beneficiar-se de sua própria torpeza e usucapir o imóvel sob condomínio (ainda que não declarado judicialmente), cujo co-proprietário é justamente o vitimado antigo parceiro afetivo.

A concisão do dito dispositivo legal, inobstante intente propiciar uma veloz solução dos possíveis celeumas vinculados à partilha de bens de um casal, inegavelmente afrontou o atual e consagrado entendimento de que não mais merece guarida qualquer menção a “abandono de lar” na legislação vigente, porque simplesmente desinteressa a imputação de culpa ou conhecimento da forma pela qual se rompeu o enlace afetivo.
Solução outra não existe, portanto, ante os ônus e bônus advindos da nova modalidade de usucapião, que não uma necessária flexibilização da norma ali insculpida, desvinculando-se a usucapião “familiar” de toda e qualquer perquirição de culpa, centrando-a, assim, unicamente, na garantia legal de um prazo máximo ao requerimento judicial (ou encaminhamento extrajudicial) da partilha dos bens conjugais.

Atentar-se-á, todavia, o magistrado, a excepcionais ocorrências na vida das partes envolvidas, as quais possibilitarão um enlastecimento do prazo imposto. Assim espera-se!

Que seja a usucapião familiar instituto do qual surta maior segurança jurídica patrimonial às partes interessadas, mas não, de forma alguma, suplemento anacrônico de devaneios e alegações em torno da falecida e já sepultada “culpa”.

Utilizemo-nos do instituto com ATENÇÃO, sob pena de retração!

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O casamento homoafetivo e sua (ainda) duplicidade de etapas (Artigo Publicado no Jornal do Comércio em 22/11/2011)

À iminência de completar quatro meses de aniversário o tão aclamado julgamento do Supremo Tribunal Federal, em virtude da ADPF n 132/RJ e da ADIN nº 4277, reconhecendo e chancelando as uniões homoafetivas, vislumbrou-se – tão logo perpassada a fase inicial de maior euforia em relação ao julgamento – os primeiros pedidos judiciais de conversão de uniões homoafetivas em casamento. Se a esteira jurídico-teórica ao reconhecimento como família das ditas uniões foi justamente o mecanismo da analogia e de subsunção do aparato principiológico constitucional à hipótese (sobretudo o da dignidade da pessoa humana e o da liberdade), o mesmo já felizmente ora se faz com relação ao artigo 226, § 3º da Constituição Federal, o qual, ao reconhecer a união estável como unidade familiar, impõe à legislação infraconstitutional a facilitação da conversão desta em casamento.

Enquanto que a Lei nº 8.971/94 (regulatória do direito dos companheiros a alimentos e à sucessão) nada dispôs quanto à dita conversão, fê-lo a Lei nº 9.278/96, determinando que “os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio”. Dando continuidade, o artigo nº 1.726 do vigente Código Civil regulamentou a medida impondo, a priori, a exigência de pedido judicial de autorização da conversão da união estável ao casamento, para que, então, possa-se requerer o final assento no registro civil. Ressaltável, sob este prisma, que os oficiais de registro não podem, entretanto, consignar na certidão de casamento a data inicial eleita pelos nubentes quanto ao início da união estável.

Inseridos os juristas brasileiros na atual era dos mais puros e recorrentes avanços do Direito de Família, há que se profligar toda e qualquer medida que refuja ao maior nível de facilidades possíveis à sociedade. Dissonante dos ideais arraigados hoje tanto a necessária “submissão” do pedido de conversão ao Judiciário como também a impossibilidade de registrar-se a data na qual as partes passaram a conviver more uxório. Estar-se-á, caso perpetuem-se tais imposições, a se sufragar a mantença de empecilhos burocráticos que não se coadunam com a realidade brotada dos inúmeros avanços na seara jusfamilista.

Em que pese não se possa, ainda (sendo otimista), converter a união estável em casamento com simples requerimento das partes, acompanhadas por advogado, no respectivo cartório de registro civil, os pares heterossexuais podem livremente casar-se diretamente sem qualquer necessidade prévia de pleito jurídico à formação da família, ao contrário dos pares homoafetivos, todavia.

O caminho para o casamento homossexual atalhou-se, inquestionavelmente, a partir do reconhecimento jurídico de tais espécies de união, tendo-se agora que, a um, declarar a existência da união estável para que, na imediata sequência daqueles que tanto almejam casar-se, ingressar com ação judicial visando à conversão da já consagrada união em casamento. Melhor solução seria o Poder Legislativo alijar a sociedade de todo e qualquer embaraço ou morosidade à satisfação de seus legítmos interesses, quando calcados nos princípios fundamentais que fortificam o estado democrático de direito.

Na mais consagrada era brasileira do fenômeno denominado “ativismo judicial”, caberá exclusivamente aos juristas a propugnação pelo mesmíssimo procedimento de casamento civil aos pares homoafetivos, cujo sustentáculo há que ser, novamente – e ainda com mais ênfase -, o recurso da analogia ao casamento heteroafetivo e a interpretação extensiva dos direitos já chancelados pelo Judiciário aos homossexuais. Ressalte-se que a mera explicitude, no artigo 1.517 de que o casamento ocorre entre “homem” e “mulher” não embargará a extensão dos direitos chancelados e aplicados da mesma forma à união homoafetiva, quando que o 226, § 3º da Constituição Federal nos mesmos moldes credencia(va) a formação da união estável somente entre indivíduos de sexos opostos.

A extirpação do procedimento “bifásico” do casamento homoafetivo representará – e isto sim! - a perfectibilização da isonomia entre pares hetero e homoafetivos. Paremos de comemorar e passemos a novamente LUTAR pela igualdade e por facilidades que ainda não se verificam prática e/ou juridicamente: eis a carta de alforria ao livre exercício do afeto em todas as suas formas!