quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Doadora de óvulo não é parente

Veículo: Jornal do Comércio - Marco A. Birnfeld - página 27
Doadora de óvulo não é parente

28.2.2012 – 3° feira

Na ficção televisiva, se uma mulher dá à luz um filho gerado com o óvulo de outra, a quem a criança deve chamar de “mamãe”? Na novela Fina Estampa, da Rede Globo, a disputa acontece entre Esther (Julia Lemmertz), que carregou o bebê por nove meses, e Beatriz (Monique Alfradique), dona do material genético. Esther sonhava em ter um filho, mas não conseguia engravidar. Optou pela inseminação artificial - e para reverter seu problema, teve de usar óvulo e esperma de doadores.

O namorado de Beatriz morreu. Antes, os dois haviam doado material para o consultório de Danielle (Renata Sorrah), irmã dele. É aí que os caminhos das personagens colidem: sem nenhum dos envolvidos saber, a médica inseriu as doações do casal na paciente. Quando Beatriz descobre ser a mãe biológica da pequena Victoria, decide lutar pela guarda do bebê.

Na vida real, em São Paulo, duas enfermeiras - Gisele, 46 de idade e Amanda, 42, - (*) , viveram juntas durante seis anos. No terceiro ano de união, decidiram ter um bebê por meio da fertilização in vitro. Gisele cedeu os óvulos, que foram fecundados com espermatozoides de um doador anônimo e, depois, transferidos para o útero de Amanda. Na primeira tentativa, o tratamento não deu certo. Na segunda, a receptora engravidou de um menino.

Durante a gravidez, o par de lésbicas começou a se desentender. Gisele queria que seu nome também figurasse no registro de nascimento do filho; Amanda rejeitou a ideia. Em 2008, o par de lésbicas se separou e Amanda ficou com a guarda do menino. O caso agora está em Juízo, onde uma decisão de primeiro grau afirmou que “doadora de óvulo não é parente da criança gestada”.

(*) Nota do colunista - Os nomes usados no caso real são fictícios; o caso corre em segredo de Justiça.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

A estigmatização do divórcio

Partindo-se do conhecimento de que uma das causas geralmente atribuídas ao divórcio é o temperamento desagradável de uma das partes, generalizou-se o pressuposto de que pessoas divorciadas são mais “complicadas”, briguentas e intolerantes. Inobstante não se possa ter acesso imediato à real causa de cada divórcio, os indivíduos divorciados deparam-se com o estigma de serem menos apropriados ou menos dignos ao casamento do que aqueles que jamais se divorciaram ou mesmo se casaram. Ora, a alternativa mais lógica, qual seja,  a de que os cônjuges simplesmente incorreram em uma má-sorte na escolha, devido a uma incompatibilidade de personalidades e gênios, não surte nas mentes dos que perpetram tal estigmatização.

Consequentemente, aqueles que se divorciaram três vezes são mais estigmatizados do que os se divorciaram duas vezes, e estes, por seu turno, mais ainda do que aqueles que se divorciaram uma única vez, e assim sucessiva e sistematicamente. Assim,  as condições ao novo casamento serão inversamente proporcionais ao próprio número de casamentos.
Gary Becker refere que este mecanismo cognitivo está atrelado ao século XIX e início do século XX, quando poucas mulheres participavam do mercado de trabalho e as taxas de nascimento eram bastante altas. Neste contexto, era oneroso às partes divorciar-se, de modo que somente em circunstâncias verdadeiramente “graves” o divórcio ocorria, após fundamentação de sua causa ao Juízo julgador.
Refira-se que, no Brasil, em que pese ainda previsto no ordenamento jurídico a necessidade de imputação de uma causa para se pleitear a dissolução da sociedade conjugal, a jurisprudência pátria há anos que não exige verdadeira motivação às partes para que se divorciem, mas unicamente a mera declaração (ao menos por uma) de que não mais existe comunhão de vidas, de interesses.

A Emenda Constitucional brasileira de nº 66, que deu nova redação ao 6º do art. 226 do Constituição Federal , suprimiu o regime dualista da separação-divórcio como medida imperiosa à dissolução do vínculo conjugal. Enquanto que a separação dissolvia a sociedade conjugal, o divórcio dissolve, diretamente, o vínculo entre as partes.
O verdadeiro avanço veio não a partir da supressão do instituto da separação como obrigatoriamente antecedente ao divórcio, mas sim a partir da constatação peremptória de que a atribuição da culpa pela ruptura não mais poderá ser exigida como requisito à dissolução do vínculo.

Verifica-se, portanto, uma alteração de paradigma no que tange à estigmatização do divórcio, felizmente mitigada na sociedade atual brasileira. Sob a égide do Direito de Família, que hoje possui a Doutrina Eudeimonista como seu principal vetor, melhor aceita-se e compreende-se o instituto do divórcio como medida hábil a permitir, como escopo, a busca da plena felicidade dos indivíduos, para que possam enfim  relacionar-se com aqueles com quem tenham real afinidade, maximizando seu bem-estar afetivo e pessoal.

Sendo felizmente esta a atual noção, a estigmatização do instituto reduziu-se consideravelmente nos últimos anos, embora ainda se aplique às partes divorciadas, dificultando sua reinserção no mercado do casamento e gerando, assim, um expressivo custo à segunda aderência a tal mercado.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

“Gostamos dos homens. Mas não queremos carrascos”: Lei Maria da Penha e seus positivos desdobramentos no julgamento do STF!

"Supremo julga procedente ação da PGR sobre Lei Maria da Penha:

Por maioria de votos, vencido o presidente, ministro Cezar Peluso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente, na sessão de hoje (09), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4424) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).

A corrente majoritária da Corte acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido da possibilidade de o Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade de representação da vítima.
O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas “são condicionadas à representação da ofendida”, mas, para a maioria dos ministros do STF, essa circunstância acaba por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres. Também foi esclarecido que não compete aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha.

Ministra Rosa Weber

Primeira a acompanhar o relator, a ministra Rosa Weber afirmou que exigir da mulher agredida uma representação para a abertura da ação atenta contra a própria dignidade da pessoa humana. “Tal condicionamento implicaria privar a vítima de proteção satisfatória à sua saúde e segurança”, disse. Segundo ela, é necessário fixar que aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95).
Dessa forma, ela entendeu que o crime de lesão corporal leve, quando praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher, processa-se mediante ação penal pública incondicionada.
Ministro Luiz Fux

Ao acompanhar o voto do relator quanto à possibilidade de a ação penal com base na Lei Maria da Penha ter início mesmo sem representação da vítima, o ministro Luiz Fux afirmou que não é razoável exigir-se da mulher que apresente queixa contra o companheiro num momento de total fragilidade emocional em razão da violência que sofreu.
“Sob o ângulo da tutela da dignidade da pessoa humana, que é um dos pilares da República Federativa do Brasil, exigir a necessidade da representação, no meu modo de ver, revela-se um obstáculo à efetivação desse direito fundamental porquanto a proteção resta incompleta e deficiente, mercê de revelar subjacentemente uma violência simbólica e uma afronta a essa cláusula pétrea.”
Ministro Dias Toffoli

Ao acompanhar o posicionamento do relator, o ministro Dias Toffoli salientou que o voto do ministro Marco Aurélio está ligado à realidade. O ministro afirmou que o Estado é “partícipe” da promoção da dignidade da pessoa humana, independentemente de sexo, raça e opções, conforme prevê a Constituição Federal. Assim, fundamentando seu voto no artigo 226, parágrafo 8º, no qual se preceitua que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”, o ministro Dias Toffoli acompanhou o relator.

Ministra Cármen Lúcia

A ministra Cármen Lúcia destacou a mudança de mentalidade pela qual passa a sociedade no que se refere aos direitos das mulheres. Citando ditados anacrônicos – como, “em briga de marido e mulher, não se mete a colher” e “o que se passa na cama é segredo de quem ama” –, ela afirmou que é dever do Estado adentrar ao recinto das “quatro paredes” quando na relação conjugal que se desenrola ali houver violência.
Para ela, discussões como a de hoje no Plenário do STF são importantíssimas nesse processo. “A interpretação que agora se oferece para conformar a norma à Constituição me parece basear-se exatamente na proteção maior à mulher e na possibilidade, portanto, de se dar cobro à efetividade da obrigação do Estado de coibir qualquer violência doméstica. E isso que hoje se fala, com certo eufemismo e com certo cuidado, de que nós somos mais vulneráveis, não é bem assim. Na verdade, as mulheres não são vulneráveis, mas sim maltratadas, são mulheres sofridas”, asseverou.
Ministro Ricardo Lewandowski

Ao acompanhar o relator, o ministro Ricardo Lewandowski chamou atenção para aspectos em torno do fenômeno conhecido como “vício da vontade” e salientou a importância de se permitir a abertura da ação penal independentemente de a vítima prestar queixa. “Penso que estamos diante de um fenômeno psicológico e jurídico, que os juristas denominam de vício da vontade, e que é conhecido e estudado desde os antigos romanos. As mulheres, como está demonstrado estatisticamente, não representam criminalmente contra o companheiro ou marido em razão da permanente coação moral e física que sofrem e que inibe a sua livre manifestação da vontade”, finalizou.
Ministro Gilmar Mendes

Mesmo afirmando ter dificuldade em saber se a melhor forma de proteger a mulher é a ação penal pública condicionada à representação da agredida ou a ação incondicionada, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator. Segundo ele, em muitos casos a ação penal incondicionada poderá ser um elemento de tensão e desagregação familiar. “Mas como estamos aqui fixando uma interpretação que, eventualmente, declarando (a norma) constitucional, poderemos rever, diante inclusive de fatos, vou acompanhar o relator”, disse.

Ministro Joaquim Barbosa

O ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, afirmou que a Constituição Federal trata de certos grupos sociais ao reconhecer que eles estão em situação de vulnerabilidade. Para ele, quando o legislador, em benefício desses grupos, edita uma lei que acaba se revelando ineficiente, é dever do Supremo, levando em consideração dados sociais, rever as políticas no sentido da proteção. “É o que ocorre aqui”, concluiu.

Ministro Ayres Britto

Para o ministro Ayres Britto, em um contexto patriarcal e machista, a mulher agredida tende a condescender com o agressor. “A proposta do relator no sentido de afastar a obrigatoriedade da representação da agredida como condição de propositura da ação penal pública me parece rimar com a Constituição”, concluiu.

Ministro Celso de Mello

O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, também acompanhou o relator. “Estamos interpretando a lei segundo a Constituição e, sob esse aspecto, o ministro-relator deixou claramente estabelecido o significado da exclusão dos atos de violência doméstica e familiar contra a mulher do âmbito normativo da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), com todas as consequências, não apenas no plano processual, mas também no plano material”, disse.

Para o ministro Celso de Mello, a Lei Maria da Penha é tão importante que, como foi salientado durante o julgamento, é fundamental que se dê atenção ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal, que prevê a prevenção da violência doméstica e familiar pelo Estado.

Ministro Cezar Peluso

Único a divergir do relator, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, advertiu para os riscos que a decisão de hoje pode causar na sociedade brasileira porque não é apenas a doutrina jurídica que se encontra dividida quanto ao alcance da Lei Maria da Penha. Citando estudos de várias associações da sociedade civil e também do IPEA, o presidente do STF apontou as conclusões acerca de uma eventual conveniência de se permitir que os crimes cometidos no âmbito da lei sejam processados e julgados pelos Juizados Especiais, em razão da maior celeridade de suas decisões.

“Sabemos que a celeridade é um dos ingredientes importantes no combate à violência, isto é, quanto mais rápida for a decisão da causa, maior será sua eficácia. Além disso, a oralidade ínsita aos Juizados Especiais é outro fator importantíssimo porque essa violência se manifesta no seio da entidade familiar. Fui juiz de Família por oito anos e sei muito bem como essas pessoas interagem na presença do magistrado. Vemos que há vários aspectos que deveriam ser considerados para a solução de um problema de grande complexidade como este”, salientou.

Quanto ao entendimento majoritário que permitirá o início da ação penal mesmo que a vítima não tenha a iniciativa de denunciar o companheiro-agressor, o ministro Peluso advertiu que, se o caráter condicionado da ação foi inserido na lei, houve motivos justificados para isso. “Não posso supor que o legislador tenha sido leviano ao estabelecer o caráter condicionado da ação penal. Ele deve ter levado em consideração, com certeza, elementos trazidos por pessoas da área da sociologia e das relações humanas, inclusive por meio de audiências públicas, que apresentaram dados capazes de justificar essa concepção da ação penal”, disse.

Ao analisar os efeitos práticos da decisão, o presidente do STF afirmou que é preciso respeitar o direito das mulheres que optam por não apresentar queixas contra seus companheiros quando sofrem algum tipo de agressão. “Isso significa o exercício do núcleo substancial da dignidade da pessoa humana, que é a responsabilidade do ser humano pelo seu destino. O cidadão é o sujeito de sua história, é dele a capacidade de se decidir por um caminho, e isso me parece que transpareceu nessa norma agora contestada”, salientou. O ministro citou como exemplo a circunstância em que a ação penal tenha se iniciado e o casal, depois de feitas as pazes, seja surpreendido por uma condenação penal."
 
(Fonte:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199853)