segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Contratos de financiamento imobiliário e a partilha de bens conjugais: breves esclarecimentos



No âmbito do Sistema Financeiro Imobiliário (SMI), e de acordo com o artigo 22 da Lei n. 9.514 de 1997, o devedor (fiduciante) contrata com o credor (fiduciário) a propriedade resolúvel da coisa imóvel. Trata a propriedade resolúvel de modalidade especial de condomínio, regulada pelos artigos 1.359 e 1.360 do Código Civil, como exceção ao princípio geral do semel dominus, semper dominus (uma vez dono, sempre dono). Em tal situação, há sempre um proprietário atual e um proprietário diferido. No curso da fruição do proprietário resolúvel, todavia, não se pode impingir ao proprietário diferido uma atitude passiva, de mero “expectador”, já que, muito embora não possa turbar o exercício da propriedade por parte do proprietário atual, pode exigir-lhe caução ou optar por outra medida acautelatória caso vislumbre desídia em tal exercício.

Note-se que o proprietário resolúvel, portanto, exerce os poderes de pleno proprietário: usar, gozar e dispor da coisa, havendo indisponibilidade somente quando no ato constitutivo contiver cláusula de inalienabilidade. Nesta seara, a problemática na hora da partilha de bens surge quando um casal que opta pela separação ou divórcio celebrou um contrato de financiamento de bem imóvel. Vejamos assim que, se por um lado o parágrafo único da Lei n. 8.004 de 1990 (que dispõe sobre o Sistema Financeiro da Habitação) determina que a formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado no âmbito do SFH somente dar-se-á mediante a interveniência obrigatória da instituição financiadora,  por outro, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor (artigo 6º V)[1], forçoso afirmar que o divórcio, tal como a morte de um dos consortes, por tratar de fato superveniente capaz de alterar a capacidade financeira do cônjuge que pretende continuar o contrato, autoriza a revisão do contrato de financiamento imobiliário.

Assim sendo, constatada a quebra da base objetiva do negócio jurídico, de seu equilíbrio intrínseco, observando-se, ainda, o princípio do planejamento familiar (apregoado pelo artigo 226, §  da Constituição Federal de 1988), necessária se faz a revisão do contrato de financiamento, com o fito de que as prestações mensais ajustem-se à realidade orçamentária do consorte que permaneceu em sua posse, e que, decorrentemente, passou a arcar com todas suas despesas e custos de manutenção.

No que concerne à divisão do bem entre os consortes, somente ser-lhes-ão partilhados os direitos e ações dos quais as partes são titulares em virtude da celebração de dita espécie de contrato, quando passam a exercer a propriedade meramente resolúvel, o mesmo se aplicando em relação a demais hipóteses em que não haja o exercício da propriedade plena, tal como ocorre, por exemplo, quando celebrado somente contrato de promessa de compra e venda, e ainda o mesmo se aplicando em relação a bens móveis objeto de contrato de financiamento.  

Nesse contexto, ainda, não raras são as ações judiciais que buscam a partilha de bens edificados pelos cônjuges em terreno pertencente a terceiro. A dinâmica da formação e transformação dos núcleos familiares da atualidade provoca a necessidade de soluções que reduzam o impacto financeiro na vida de um casal. E é nesse cenário que contratos de comodato são corriqueiramente celebrados, por exemplo, quando um casal passa a habitar imóveis de progenitores ou demais parentes. Com o crescimento da família, um mesmo bem passa a ser objeto de sucessivas melhorias e construções, valorizando-se às expensas dos comodatários.

Entretanto, tais bens não podem ser incluídos na partilha de bens conjugais, já que não de propriedade dos cônjuges. O impasse tem sido resolvido, junto ao Judiciário, a partir da possibilidade de ao menos decretar-se a partilha dos direitos sobre tais benfeitorias, ou seja, a partilha sobre a acessão intelectual empreendida no bem sob propriedade de terceiro. Sendo o proprietário parte estranha em uma ação na qual a finalidade precípua é o decreto da dissolução do vínculo conjugal, sub-rogam-se as partes, assim, nos direitos e ações em relação ao dono do terreno. A medida emprega celeridade na concreção do direito dos consortes em verem-se devidamente reembolsados em relação aos valores despedidos para formação do patrimônio familiar.