quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A Família e sua padronização

Se a modernidade introduziu uma série de positivas mudanças em nossa sociedade, e como principal a instauração do regime capitalista, do mesmo modo consolidou uma rígida forma de raciocinar e padronizar ao homem. Neste contexto, difícil a tarefa de romper com os “paradigmas universais” de homens adultos, brancos, heterossexuais, cristãos, pais de família (casados, obviamente) e “exemplares” empregados ou empresários.

Sob o manto de tanta hierarquização de formas de ser, pensar e agir, o Direito moldou-se, pouco a pouco, às padronizações e estereótipos traçados pela sociedade. O Direito de Família, como diferentemente não poderia ser, sofreu imediatamente reflexos deste preconceito, estando em incipiente fase revolucionária, buscando execrar, gradativamente, aquela idéia de “família comercial de margarina”, como se apenas sujeitos casados no civil e com um belo casal de filhos loiros e de olhos azuis tivessem seus direitos assegurados pelo ordenamento jurídico.

Exemplo deste movimento é a Constituição de 1988, que enfim elevou a União Estável à “entidade familiar” (mesmo que ainda com dedo preconceituoso ao impor à lei que facilite sua “conversão em casamento” (ora, por quê?). Sob o mesmo raciocínio, a Carta Magna finalmente reconheceu as “Famílias Monoparentais” (aquelas formadas por apenas um dos genitores e a prole). Ainda nesta mesmíssima esteira, dada  voz  pela jurisprudência e doutrina às Famílias Homoafetivas – em direta correlação ao consagrado Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o qual repele quaisquer preconceitos e discriminações que obstem as conseqüências jurídicas destas relações -, bem como às '"Eudemonistas" - alicerçadas na tendência da busca pela realização pessoal e felicidade plena de seus integrantes como elementos-chave à nova idéia de família - e às "Anaparentais" – aqueles arranjos familiares formados entre avós e netos, tios e sobrinhos ou até mesmo exclusivamente por irmãos.

Por certo que a autocriticidade cedeu espaco a tantos e significantes avanços, uma vez que nao tutela o Estado o que não deseja o cidadão. O caminho ainda é muito longo, infelizmente. Se mudanças de “fora para dentro” já causaram tantas alterações legislativas, qual será o efeito destas chancelas estatais no dia-a-dia? Qual não será, por exemplo, a probabilidade de sofrer uma criança adotada por casal homossexual algum tipo de preconceito na escola, mesmo que mais feliz não possa ser em casa? Ou, ainda, de sentir-se "diferente'' dos irmãos ou parentes com outra cor de pele?

Demandas como as que vêm se apresentando ao Judiciário preconizam a transformação da sociedade: mais leve, liberta de conceitos e requisitos, receptora de um conceito de família arraigado no amor, onde padrões cedem lugar aos mais diferentes arranjos e grupos de pessoas que se denominam uma VERDADEIRA família.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Alimentos transitórios (cuidado!)

Didático e exemplar o acórdão de Recurso Especial (nº 1.025.769) publicado esta semana pelo STJ. A decisão logra brilhantismo ao deferir pensão a ex-cônjuge que sempre dependeu financeiramente do marido, em que pese possua formação acadêmica e idade razoável ao trabalho. À margem de reiteradas decisões dos tribunais e juízes brasileiros que indeferem os alimentos a ex-cônjuge ou companheiro porque “é ainda jovem e capaz de trabalhar”, o acórdão em comento reveste-se da sensibilidade que deveria estar presente em toda e qualquer análise de pleito alimentar entre ex-companheiros e ex-casados, quando um, abdicando de sua carreira (ou sem a possibilidade de exercê-la), tratou de acompanhar o amado(a) em sua jornada profissional, deste dependendo e juntamente enfrentando os percalços e glórias financeiras, presentes quando se compartilha vidas.


Como bem salienta a decisão, são basicamente três as alternativas fáticas que sempre se apresentam ao julgador: na primeira, o necessitado combina idade avançada com deficiência ou desatualização na formação educacional, enfrentando dificuldade inconteste de, a esta altura da vida, reinserir-se no mercado de trabalho; na segunda, ainda jovem e com formação profissional compatibilíssima à imediata reinserção; na terceira – e que merece cautelosa e irreparável ATENÇÃO, a hipótese de idade compatível mas necessidade de algum tempo de readaptação para colocação profissional digna no mercado de trabalho, quando o necessitado se atualizará, buscará apoio, novas áreas ou opções. Ocorre que não raro os magistrados confundem conceito de aptidão com idade ou estado de saúde, olvidando-se por completo que não basta que alguém simplesmente “possa” trabalhar para que o faça “amanhã”, rápida e tranqüilamente.

No entanto, ressalto que a análise da fixação da pensão entre ex-cônjuges resta ainda muito atrelada à análise da culpa. Prevalece o entendimento de que o cônjuge “culpado” (aquele que desrespeitou os deveres conjugais como, por exemplo, traindo) somente tem direito (tanto na esfera transitória quando na definitiva) aos alimentos indispensáveis a seu sustento, sem qualquer plus de auxílio. Louváveis doutrinadores seguem na longa jornada pelo aniquilação da análise da culpa pelo término e de suas conseqüências, já que extremamente subjetiva e dissociada da realidade conjugal uma análise deste cunho, uma vez que a mais pura intimidade da vida a dois jamais será passível de apuração por magistrados e, assim, não passível de conseqüências de tal advindas.

Razoabilíssima a fixação de pensionamento “transitório”, que, como diz o nome, tem o condão de, provisoriamente, auxiliar o ex-parceiro a recolocar-se em situação laboral ativa, com período pré-estabelecido, para que enfim possa andar com suas próprias pernas e auferir o que consiga por seus esforços e merecimentos próprios, saindo da sombra daquele de que não mais quer depender.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A infindável busca pelo culpado

Já se foi o tempo em que se estigmatizava o “desquite” (termo usado para “separação”, pelo Código Civil de1916), que somente poderia ocorrer, segundo a legislação vigente à época, quando vislumbrada causa grave ou insofismável afronta a quaisquer dos deveres do casamento, e que situassem algum dos cônjuges em situação vexatória perante a comunidade em que inseridos. O Código Civil de 2002, por seu turno, perdeu a oportunidade de calar-se em seu artigo 1.572, prevendo, na separação, a imputação de “qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum” como modalidade denominada de “separação-sanção”. Da mesma forma, comete o diploma legal a atrocidade de repetir o vocábulo “culpa” e suas variantes em outros de seus artigos, relacionando-lhes ora à possibilidade de utilização do nome de casada após o divórcio, ora à possibilidade (ou não) de recebimento de pensão de alimentos pelo culpado(a), dentre outros. Por fim, cumpre chamar a atenção para o fato de que há não muito, a “culpa” pelo término da relação conjugal era também analisada quando da concessão da guarda de infantes a um ou a outro progenitor (o condenado como culpado, perdia, muitas vezes, a possibilidade de ficar na guarda da prole), assim como na regulamentação do regime de visitas.


No entanto, como, efetivamente, culpar alguém pelo desamor que se instaura em uma relação a dois? E pior que isso: como, com base em perfunctória análise (e que pouco importa), direcionar às crianças a incumbência de suportar as eternas conseqüências disto, mediante um regime de guarda que não lhes atende as necessidades, por exemplo? Não são raros os casos em que, ainda hoje, homem ou mulher relutam no ajuizamento de ação de divórcio com medo de alguma “punição” pelo adultério ou por conduta considerada desonrosa. Não se está aqui (pelo amor de Deus) defendendo ou reduzindo a gravidade de uma traição, mas sim apoiando a extinção completa do embasamento de QUALQUER decisão na análise da culpa, simplesmente porque não se pode atribuir a um ou ao outro o término da cumplicidade a dois e do amor, desgaste este que, quando vem, é decorrente do tempo, das brigas, do desrespeito, mas não de um ato isolado no universo conjugal, certamente.

A Emenda Constitucional do Divórcio (já comentada no blog) extirpou a “separação” da legislação, em considerável passo final à exclusão da culpa em nosso ordenamento jurídico, simplesmente porque não se analisa a culpa em sede de divórcio. Ora, basta – e cada vez mais – que as partes, seja lá por qual razão, decidam não mais compartilhar suas vidas, buscando o auxílio de profissionais do Direito para orientação e realização de seu divórcio, preservando-se o melhor interesse dos menores e adolescentes envolvidos e a possibilidade, sim, de fixação de pensão ao divorciando necessitado, “culpado” ou “não culpado”.


Para finalizar, oportuno parafrasear Vinícius de Moraes no famoso “Soneto da Separação”:


"De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama (...)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Alienação parental: um passo de cada vez

Na postagem do dia 12/07/2010 definiu-se a alienação parental e a síndrome decorrente desta beligerante prática. Como já há muito se esperava, enfim em vigor a Lei nº 12.318, publicada em 26/08/2010, dispondo sobre a alienação parental.

Em que pese incipiente a Lei (com uma semaninha de vida), já é claramente verificável que falhou em alguns aspectos, tendo-se como o principal a ausência de previsão do instituto da mediação familiar como alternativa de apoio. A Lei muito bem trata de exemplificar as principais práticas alienantes, impor prazo para conclusão de laudo pericial psicológico ou biopsocossocial, de 90 dias (quando verificados indícios da tortura psicológica na criança ou adolescente), e prever efetivas - espera-se - sanções ao alienante. No entanto, não seria este o momento de, enfim, não apenas reconhecer, criticar e punir como também o de procurar extirpar a prática sem afastar da vida da criança aquele familiar tão importante e que tanto ama?
Aí entraria a mediação, a aplicação de uma estruturada técnica que por certo faria as partes envolvidas questionarem-se o quanto e o como mudar, buscando enxergar o sofrimento daquele jovem impedido de amar como gostaria, “alienado” aos ditos maternos ou paternos completamente irreais, cruéis e maledicentes. Seria momento quiçá prazeroso, de se descobrir como agregar amor à ingênua criança ou jovem, que cai como “ratona” em um jogo de ódio e rancor, prejudicial à sua vida e formação.
Ora, advertir ou punir, como o faz a nova Lei, são medidas extremamente efetivas em nação como a nossa, cuja cultura acata certas restrições legais a fim de se evitar maiores “incomodações”, e a mesma observação vale para muito dos nossos julgadores, que tanto evitaram utilizar-se do termo “alienação parental” mesmo quando insofismável aos olhos a prática e tão comentado na mídia o tema. Talvez por isso não se possa ter ido muito além, por ora, com a previsão do instituto da mediação de forma positiva no combate à alienação parental.
Destarte, o momento requer certa paciência, mas principalmente a consciência em todos os profissionais que tanto conhecem e se voltam contra a alienação, de que a Lei trará, sim – e já a curto prazo -, muito mais apoio nesta caminhada a favor da mediação familiar e de extinção às práticas alienantes nas famílias.