quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A infindável busca pelo culpado

Já se foi o tempo em que se estigmatizava o “desquite” (termo usado para “separação”, pelo Código Civil de1916), que somente poderia ocorrer, segundo a legislação vigente à época, quando vislumbrada causa grave ou insofismável afronta a quaisquer dos deveres do casamento, e que situassem algum dos cônjuges em situação vexatória perante a comunidade em que inseridos. O Código Civil de 2002, por seu turno, perdeu a oportunidade de calar-se em seu artigo 1.572, prevendo, na separação, a imputação de “qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum” como modalidade denominada de “separação-sanção”. Da mesma forma, comete o diploma legal a atrocidade de repetir o vocábulo “culpa” e suas variantes em outros de seus artigos, relacionando-lhes ora à possibilidade de utilização do nome de casada após o divórcio, ora à possibilidade (ou não) de recebimento de pensão de alimentos pelo culpado(a), dentre outros. Por fim, cumpre chamar a atenção para o fato de que há não muito, a “culpa” pelo término da relação conjugal era também analisada quando da concessão da guarda de infantes a um ou a outro progenitor (o condenado como culpado, perdia, muitas vezes, a possibilidade de ficar na guarda da prole), assim como na regulamentação do regime de visitas.


No entanto, como, efetivamente, culpar alguém pelo desamor que se instaura em uma relação a dois? E pior que isso: como, com base em perfunctória análise (e que pouco importa), direcionar às crianças a incumbência de suportar as eternas conseqüências disto, mediante um regime de guarda que não lhes atende as necessidades, por exemplo? Não são raros os casos em que, ainda hoje, homem ou mulher relutam no ajuizamento de ação de divórcio com medo de alguma “punição” pelo adultério ou por conduta considerada desonrosa. Não se está aqui (pelo amor de Deus) defendendo ou reduzindo a gravidade de uma traição, mas sim apoiando a extinção completa do embasamento de QUALQUER decisão na análise da culpa, simplesmente porque não se pode atribuir a um ou ao outro o término da cumplicidade a dois e do amor, desgaste este que, quando vem, é decorrente do tempo, das brigas, do desrespeito, mas não de um ato isolado no universo conjugal, certamente.

A Emenda Constitucional do Divórcio (já comentada no blog) extirpou a “separação” da legislação, em considerável passo final à exclusão da culpa em nosso ordenamento jurídico, simplesmente porque não se analisa a culpa em sede de divórcio. Ora, basta – e cada vez mais – que as partes, seja lá por qual razão, decidam não mais compartilhar suas vidas, buscando o auxílio de profissionais do Direito para orientação e realização de seu divórcio, preservando-se o melhor interesse dos menores e adolescentes envolvidos e a possibilidade, sim, de fixação de pensão ao divorciando necessitado, “culpado” ou “não culpado”.


Para finalizar, oportuno parafrasear Vinícius de Moraes no famoso “Soneto da Separação”:


"De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama (...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário