quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A Mediação no Direito de Família

Mediação: intervenção, “colocar-se no meio”, mediare (no latim). As controvérsias possuem inúmeras formas de resolução (mais de quarenta já registradas), que não o ajuizamento de ação judicial, tornando-se indicada uma ou outra de acordo com a natureza do problema e, principalmente, com a real vontade das partes envolvidas de buscar (ou não) a almejada paz. Como principais e mais conhecidos meios alternativos temos a arbitragem, a conciliação e a mediação. A conciliação é meio autocompositivo, cabendo às próprias partes a função de dirimir suas questões perante o juiz, o que resultará – ou não – em acordo, ao contrário da arbitragem, em que se outorga a um terceiro (meio heterocompositivo, então) o poder decisório da controvésia. Mas e a mediação, onde e como se encaixa nesse contexto? Atrevo-me a classificar o instituto como uma técnica “híbrida”. Nem é a um terceiro que se confia a solução final como também não advém a decisão, de forma “nua e crua”, sem qualquer aprofundamento prévio, das figuras envolvidas. A mediação é um processo de condução das partes, relutantes, a chegarem e a aceitarem um acordo. Veja-se que tanto na conciliação quanto na arbitragem o que há é uma tentativa do terceiro imparcial em fazer as partes buscarem por si um resultado efetivo e positivo, mediante formulação de hipóteses de solução ou de direta imposição do que este “terceiro” considera o mais acertado ao caso.


Na mediação aplicada ao Direito de Família, os interessados farão uma viagem ao cerne da problemática, que consiste justamente em seus mais sinceros sentimentos, vivências, alegrias e frustrações, os quais somente são conhecidos por aqueles que se viram envolvidos nos acontecimentos que então culminaram na decisão pela separação ou opção da forma de contribuição na vida dos filhos. Não raro, as ações judiciais familistas nem mesmo se aproximam de demonstrar o real anseio das partes ou o desenrolar dos fatos da forma como tal verdadeiramente se deu, sempre recheadas de invenções, falsas imputações de conduta à parte adversa (leia o artigo sobre a Síndrome da Alienação Parental) e as mais variadas maneiras de se denegrir – ao menos perante o juiz – o ex-companheiro, cônjuge ou parceiro. Ora, para que tudo isso? Por que se dar anos e anos de vida a uma ação que somente reflete sentimentos de ódio e rancor que jamais contribuirão com nada até que se veja algum “obrigado” a aceitar o que o designado magistrado decidiu? A mediação é um passaporte à verdade. Ao passo que o mediador faz com que as partes se “conheçam” naquele problema (a si e aos demais envolvidos, sem disfarces), tornar-se-ão cada vez mais aptas a uma cordial possibilidade de acordo, eis que já possuirão a mais íntima convicção do que é o melhor a ser feito, mesmo quando não lhes favorece o tanto quanto gostariam. Eis o objetivo da mediação, cuja idéia é que possa ser realizada por profissionais habilitados para tal (os quais podem ser advogados, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais), nas modalidades extraprocessual (preventiva de uma opção pelo divórcio, por exemplo) ou paraprocessual (prévia ou incidental ao ajuizamento da devida ação). Já é a técnica utilizada no Canadá, Portugal, França e Argentina (onde é até mesmo obrigatória a instância da mediação, de início, na ação), havendo projeto de lei no Brasil (de nº 4287-b/1998) para legitimar a mediação paraprocessual, em que pese alguns estados já possuam setores de mediação judicial em suas comarcas.

Crê-se que muito do lento processo de desenvolvimento do instituto da mediação no Brasil está atrelado a cultura da nação, “briguenta”, assim como ao temor à novidade por parte dos juristas, que parecem não perceber que a melhor forma de cumprimento da decisão é quando está é fruto de um trabalho de aceitação cognitiva do melhor caminho pelas próprias partes. Muito pelo contrário do que alguns imaginam, não virá a mediação a suprir trabalho dos advogados, mas sim a acrescer-lhes mais uma possibilidade de atuação, após devida habilitação e domínio da técnica.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

O polêmico projeto da “Lei da Palmada”

Artigo publicado no "Jornal do Comércio", em 13/08/2010,  pg. 4

O projeto de lei nº 2654/2003, da Deputada Maria do Rosário, vem gerando infindáveis debates entre juristas, pais e psicólogos. Aliás, o amplo debate era mesmo esperado, pois esta Lei, se aprovada, interferirá na cultura educacional da sociedade em sua esfera mais íntima e restrita: o pequeno núcleo familiar. O projeto acrescenta artigos ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) – impondo sanções aos “agressores” - e modifica ainda um artigo do Código Civil, que versa sobre o exercício do poder familiar, eliminando a possibilidade do uso da forma “moderada” de força física na educação infanto-juvenil, já que a “imoderada”, indiscutível, é de extremo contrária aos mais basilares princípios constitucionais existentes, em especial ao da Dignidade da Pessoa Humana. Assim sendo, questiona-se: ora, afinal, pequenas “palmadas” afrontariam nossos postulados regentes, em especial a concepção de sujeito de direitos que é a criança? Com toda vênia ao bem intencionado Projeto, estar-se-ia desconsiderando, assim, a profundidade da relação materno-paterno-filial, quando bem sabemos que cada criança possui temperamento e personalidade próprios, cuja boa educação ora requer (e ora refuta) uma “palmada”, um “puxão de orelha”. Anacrônico, no entanto, permitir o mesmo aos educadores e professores, como quando, comumente, crianças “mal criadas” tinham de se ajoelhar no milho, na frente de todos colegas da turma. A diferença entre a repressão de condutas como esta aos pais e aos professores é gigantesca, posto que são os genitores, guardiões ou avós os inequívocos detentores de liame afetivo com a criança, cujo conhecimento de sua personalidade por muitas vezes faz, sim, necessário, chamar-lhes a atenção das mais distintas formas, o que não exclui a possibilidade de uma palmada carinhosa e um pequeno castigo para reflexão. E isto, infelizmente, não incumbe ao Estado decidir, em intolerável ingerência na intimidade do lar.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A Guarda Compartilhada e sua confusa aplicação

Consabido pelos juristas familistas as tantas vantagens e decorrente preferência de opção da legislação civil pela guarda compartilhada. Mas, afinal, como fazer casais entenderem o que efetivamente compreende “compartilhar” uma guarda? Doutrinaria e conceitualmente, dúvidas não pairam, tendo-se tal modalidade como simples co-responsabilização e união de esforços para que os filhos se desenvolvam salutarmente, tanto na esfera psíquico-emocional quanto na física e cultural, mediante conjunta fiscalização de tarefas dos pequenos, auxílio e participação na rotina por parte do pai e da mãe. No entanto, na prática, o que parecia ser uma maravilha torna-se um “pesadelo”.
Ora, inegável que a primeira idéia que a palavra transpassa é aquela apregoada pela “guarda alternada”, em que o tempo livre dos pais é dividido de acordo com o interesse e tempo também dos filhos, de modo que a guarda alterna-se diversas vezes ao longo de uma semana, muitas vezes, passando a criança “tempo lá, tempo cá”, crescendo em uma terrível confusão! Atualmente, sequer aplicada vem sendo esta modalidade, dado o reconhecimento das atrozes conseqüências à estabilidade emocional de uma criança, que acaba perdendo uma referência de residência fixa, importante a todo homem. A guarda compartilhada não se atém a aspectos físicos, mas participativos: o escopo é de que, a partir da assunção do encargo, passem os genitores a educar a prole em comunhão de idéias, poderes, aceitando sugestões, promovendo uma completa interação de espíritos para que não sofra a criança com a ausência do papel parental de algum dos pais, à medida em que um venha a tornar-se mero “visitante”, alheio aos acontecimentos cotidianos do menor, inserido em contexto de passeios, alegrias e finais de semana, tão-somente.
Cumpre, por evidente, aos magistrados, a sensibilidade de regulação “casuística” da guarda na vida dos personagens que a exercerão. Por exemplo, indispensável tenha a criança uma referência territorial, um lar principal, o que acaba fazendo com que aquele dos genitores, proprietário da casa, possua maior contato com o menor. O papel difícil cumprirá justamente a este genitor, que deverá se esforçar para que a guarda compartilhada efetivamente se verifique, percebendo a relevância do processo na vida do filho, abdicando de desgastes advindos de – mais comumente - especulação da vida do ex-parceiro, o que somente gerará entornos prejudiciais ao respeito à guarda conjunta. Mister ressaltar que há sanções previstas na legislação civil para aquele que descumpre cláusula de guarda (seja unilateral ou compartilhada), e o mesmo valendo para as visitas ou constatação de maliciosas mentiras criadas pelo outro genitor visando a alterar a guarda sem qualquer subsídio fático relevante!

Ocorre que a guarda pode ser alterada a todo e qualquer tempo (cláusula rebus sic stantibus), não fazendo coisa julgada material. Assim sendo, requer doação e seriedade em sua observância pelos genitores exercentes, estando, ambos, sempre sujeitos a uma aplicação de sanção ou multa (astreintes), cuja eficácia na luta pelo cumprimento da decisão que instituiu a guarda é imensurável, em que pese inaplicável pelos magistrados tanto como poderia sê-lo.

Fica a reflexão acerca do instituto e do que ele pode agregar na vida e desenvolvimento de uma criança, bastando aos seus pais o esclarecimento de sua relevância, aplicabilidade, bem como necessário esforço na busca dos tantos benefícios por ela trazidos.