quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Alimentos Compensatórios X Alimentos Transitórios


          Por não haver expressa previsão no ordenamento jurídico, muitos se confundem quanto à melhor definição e quanto ao alcance das espécies de alimentos compensatórios e transitórios, sendo inclusive recorrentes as confusões entre estes.

        Cabe aos alimentos compensatórios uma nítida função reparatória, já que visam a remediar uma situação econômica desfavorável a um dos cônjuges a partir da ruptura afetiva. Embora não haja no ordenamento jurídico dispositivo expresso que o regulamente, poder-se-ia afirmar que a hipótese encontra sustentáculo no parágrafo único do artigo 4º da Lei n. 5.478/1968 (Lei dos Alimentos), o qual prevê que parte da renda líquida do patrimônio em comum dos cônjuges, quando administrado exclusivamente por um destes, ao outro será entregue.

            Tal pensionamento visa a indenizar um dos consortes pela experimentada repentina queda do padrão socieconômico desfrutado no curso matrimonial, intentando reduzir, tanto quanto possível, os nefastos efeitos irrompidos a partir da situação de indigência social instaurada com a separação. Pode consistir no pagamento de uma prestação única, de prestações vitalícias, temporárias ou mesmo na simples entrega de bens que, a partir da renda gerada, lograrão evitar um considerável desequilíbrio econômico entre os consortes, sendo mister ficar claro, contudo, que não há um padrão de regramento a ser seguido, visto que a melhor forma muito dependerá da disparidade constatada entre as partes, das situações econômicas pretéritas ao consórcio, daquilo que as partes deixaram de produzir, dentre demais elementos fáticos a serem averiguados.

            Os alimentos transitórios, por seu turno, consistem no pagamento de pensionamento alimentar por tempo pré-determinado, destinado a suprir, temporariamente, as necessidades de alimentando desprovido de condições a alçar sua própria mantença, de modo que se habilite, no interregno estabelecido, a inserir-se devidamente no mercado de trabalho.

            A projeção dos alimentos transitórios dar-se-á em situações pontuais, sendo sempre fixado um termo final para sua vigência. Situação comum é a fixação em benefício de filho que, por exemplo, vem deliberadamente postergando a conclusão de etapa de ensino, de modo que a pensão de alimentos não lhe estimule o ócio e  faça-o priorizar a obtenção de condições regulares para a labuta. Concernentemente ao tempo de duração, gize-se que varia casuisticamente (podendo ultrapassar até mesmo dez anos), a depender do intervalo de tempo necessário ao preenchimento dos requisitos necessários pelo alimentando.

            É modalidade, portanto, que tem como escopo prover a subsistência do cônjuge necessitado até que este obtenha as necessárias ferramentas para reinserção no mercado laboral, atingindo sua autonomia financeira. Após o decurso do tempo pré-determinado, a pensão cessará automaticamente, diferentemente do que se opera com relação aos alimentos compensatórios, uma vez que para a extinção ou redução destes haverá que se aferir quais as razões a justificarem a medida.


            Sinteticamente concluindo, enquanto que os alimentos transitórios – como a própria nomenclatura aponta – visam a suprir necessidades temporárias  do necessitado (que a partir deles terá condições de “transitar” de uma fase da vida a outra, para que possa suprir suas necessidades às suas próprias expensas), os alimentos compensatórios têm o escopo de assegurar a menor discrepância possível entre o padrão socioeconômico dos ex-consortes, podendo a verba perdurar vitaliciamente como por apenas alguns meses, bastando que se comprove judicialmente, para que seja revisada, o porquê da necessidade de sua redução, extinção ou mesmo majoração.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Breves comentários acerca dos reflexos da constituição de sociedades empresárias no momento da divisão do patrimônio conjugal



          Tendo em vista a complexidade da temática e as recorrentes dúvidas que surgem relativamente ao assunto, tenciona-se promover breve explicação sobre como procede o Judiciário perante ação judicial na qual se pleiteia a partilha das cotas empresariais pertencentes a um dos consortes/companheiros.

Inicialmente, gize-se que a efetivação da divisão afigura-se menos complexa em relação às sociedades anônimas (SA) e às firmas individuais ,já que, enquanto que as ações titularizadas são transmissíveis, no segundo caso o patrimônio de pessoa física e jurídica, em regra, se confundem – salvo na hipótese de tratar-se de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), criada pela Lei n. 12.441 de 2011 -.[2]

A real problemática envolve as sociedades limitadas, nas quais há sócios (terceiros) envolvidos. Se um dos consortes/companheiros for sócio de sociedade de pessoas, havendo dissolução da sociedade conjugal poderá o outro cônjuge receber parte das ações mediante concordância dos demais sócios, quando então ingressará na empresa na qualidade de sócio. Sem tal anuência, esclarece Maria Helena Diniz que se formará uma “sub-sociedade” entre ex-marido e ex-mulher, regida pelas normas de condomínio. Sendo a sociedade de capital, no entanto, o outro dela não participará, porém receberá metade das cotas ou ações adquiridas na constância da sociedade conjugal ou união estável.[3]

Embora a sistemática pareça simples, a dificuldade reside na apuração do valor equivalente à participação societária do parceiro na época da separação de fato do casal. Para sua apuração, ao cônjuge não sócio (como legítimo interessado) é permitida a investigação patrimonial da empresa, a partir de acesso a dados bancários, declarações de imposto de renda, livros e documentos relativos ao balanço patrimonial (ex vi do artigo 382 do Código de Processo Civil), dentre demais medidas a serem autorizadas e determinadas judicialmente.[4]

Por entrarem na comunhão os frutos dos bens comuns ou particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do contrato matrimonial (artigos 1660, V e 1.669 do Código Civil), e tendo-se em vista que os rendimentos do capital dos empresários enquadram-se em tal categoria, impõe-se o reconhecimento da meação relativamente aos dividendos oriundos do capital empregado. Ainda, ocorrendo crescimento patrimonial da empresa no decurso do contrato matrimonial, também o cônjuge fará jus à tal partilha, sendo imperiosa a realização de perícia contábil com o fito de apurar qual o efetivo crescimento operado.[5]

O artigo 50 do Código Civil[6] trouxe para a órbita jurídica positiva a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. O fundamento legal calca-se na repressão a manipulação da pessoa jurídica nos casos de abuso de direito e de fraude, sempre que perpetradas sob o manto de uma sociedade empresária. No Direito de Família, a espécie é aplicada em diversas hipóteses, tais como no âmbito dos alimentos e da apuração da meação dos consortes.

Desta forma, quando o cônjuge empresário gerencia os bens fraudulentamente colocados em nome da empresa, liberado da outorga uxória ou marital, a transferência de sua participação para outro sócio (presta nome), antes da separação fática, é medida que lhe resguarda de ver tais bens partilhados, já que a estes é conferida roupagem de ato jurídico lícito e perfeito. Nesse contexto, cabe ao cônjuge lesado de sua meação ingressar com a respectiva ação no intuito de, lançando mão da disregard doctrine, no sentido inverso de sua clássica formulação– cuja permissão compreendia sua aplicação unicamente no patrimônio da empresa, e não o do sócio -, descortinar as arquitetadas manobras do consorte na ardilosa tentativa de exclusão de bens comuns do acervo conjugal, perpetradas na mais pura afronta ao princípio da boa-fé objetiva inerente ao contrato matrimonial, e assim, decorrentemente, recuperando os aportes desviados do casamento ou união estável.

Assim, verifica-se a efetividade da disregard doctrine no âmbito das hipóteses de fraude conjugal relacionadas a matérias de cunho empresarial. 


[1] Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇAO DE SEPARAÇÃO CONVERTIDA EM DIVÓRCIO. ALIMENTOS. FIXAÇÃO EM SALARIO MÍNIMO. Não há vedação a que os alimentos sejam fixados em salários mínimos, se o alimentante não dispõe de renda certa que possibilite o desconto em folha de pagamento. Conclusão nº 38 do Centro de Estudos do TJRGS. PARTILHA. As contas bancárias, poupança, fundos de investimento e eventuais ações existentes por ocasião da separação de fato do casal, devem ser partilhadas, tendo sido o casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial de bens. A elevação do capital social da empresa da qual é sócio um dos cônjuges, ocorrida na vigência do casamento, integra a partilha, porque representa acréscimo patrimonial. APELAÇÃO DESPROVIDA. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70041203563, Relator: André Luiz Planella Villarinho Julgado em 24/08/2011).
[2]FREITAS, Douglas Phillips. Partilha e sucessão das quotas empresariais. In: FREIRAS, Douglas Phillips; BARBOSA, Eduardo Lemos (coord.). Direito de Família nas Questões Empresariais. p. 57.
[3]DINIZ, Maria Helena. Impacto do regime matrimonial de bens nas relações empresariais. Disposições gerais dos regimes de bens e pacto antenupcial. In: FUJITA, Jorge Shchiguemitsu; SIMAO, José Fernando; ZUCCHI, Maria Cristina (coord.). Direito de Família no Novo Milênio. São Paulo: Atlas, 2010. p. 277.
[4] FREITAS, op. cit., p. 64.
[5] Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. SUB-ROGAÇÃO NÃO DEMONSTRADA, IMPONDO A PARTILHA DOS BENS ARROLADOS. CRESCIMENTO PATRIMONIAL DA EMPRESA JURÍDICA QUE DEMANDA A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA, PLEITEADA EM TEMPO OPORTUNO. PRELIMINARES REJEITADAS E RECURSO PROVIDO, EM PARTE. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (RIO GRANDE DO SUL. Agravo de Instrumento n. 70025548355, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 19/11/2008).
[6]  Artigo 50 do CCB: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.