segunda-feira, 20 de junho de 2011

Breve reflexão acerca da reprodução assistida

Os avanços da tecnologia médica aliados ao novo paradigma do direito de família, quando já consabido – e mesmo por parte dos mais céticos a mudanças legislativas e interpretativas no âmbito famíliar - ser o AFETO o vetor preponderante a toda e cada cognição judicial, tornaram inevitáveis as já esperadas alterações legais aos desejosos de sólidos e enraizados enlaces amorosos filiais.


O código civil de 2002 impôs a presunção de paternidade àqueles progenitores que, na constância do matrimônio, tenham gerado filhos a partir de inseminação artificial heteróloga ou mesmo homóloga “pós-mortem”, bastando, em ambas as hipóteses, a prévia autorização expressa à intrusão da reprodução assistida ao nascimento dos então bebês herdeiros. Ainda, presumida a concepção da prole quando o procedimento haja sido engendrado a partir dos embriões “excedentários”, ou seja, aqueles congelados e que não foram utilizados à época da inseminação.

Inobstante o código civil efetivamente reconheça e chancele referidas formas de construção de filiação, silencia-se quanto às principais decorrências e questões que exsurgem neste tão importante contexto. Coube, curiosamente, a uma resolução do Conselho Federal de Medicina (sendo a última a de nº 1.957/21010) a previsão e “regulamentação” de específicas práticas. Como exemplo, imperioso citar-se que tal resolução determina que, no que pertine à doação temporária de útero para a gestação (vulgo “barriga de aluguel”), tais doadoras devem pertencer à família da doadora genética em parentesco até o segundo grau.

Ora, como não se questionar acerca do triste destino daquelas genitoras que não possuam familiares em tal proximidade aptos à gestação mas que, no entanto, possuam desenfreado anseio e vocação para a maternidade? Ou, ainda, qual o destino dos não inferiores a 21.254 embriões congelados (conforme dados apurados pela ANVISA), ao passo que o art. 5º da Lei da Biossegurança designa tão-somente o prazo de 03 anos para sua utilização a pesquisas e terapia? Ainda – e, em minha convicção, a mais profunda “que-não-quer-calar” pergunta sem resposta: poderão, absolutamente, os indivíduos filhos de doadores anônimos reivindicarem, em juízo, sua origem biológica mediante acesso aos dados laboratoriais referentes a seu procedimento de fertilização? Não se pode olvidar, no atual contexto, que os avanços da medicina inúmeras vezes impõem o incondicional apoio dos genitores biológicos para tentativas de cura do paciente, tal como se verifica no aumento (mesmo que ínfimo) das chances de compatibilidade para o transplante de medula óssea ao enfermo. Outrossim, afigura-se razoável a “quebra de sigilo” a fim de detectar-se oposição de impedimento a casamentos.

Idiossincrasias à parte, preconiza o art. 27 da Lei nº. 8.069/90 que “o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível”, sendo a busca por sua identidade genética direito assegurado pelo ordenamento jurídico pátrio. Optar entre fazê-lo ou não, assim, ficará a encargo da cultura e valores ínsitos ao núcleo familiar afetivo e mesmo de eventuais motivações para tal por parte do reivindicante de direitos. Refira-se, no entanto, que a extensão de direitos hereditários ou pensionistas afrontaria os limites do exercício do direito ao reconhecimento biológico bem como o acordo entabulado entre laboratório, promitente de sigilo, e genitores doadores, os quais jamais formarão qualquer vínculo jurídico com a prole advinda de sua opção por doação de gametas.

Por fim – e não porque menos importante -, calha a regulamentação jurídica dos direitos sucessórios ao filho cuja concepção se deu “pós-mortem”, assim como (e o que reputo imperioso a evitar-se crimes desta alcunha), a destinação exata dos tantos embriões excedentários por parte de clínicas habilitadas ao procedimento. O PL 1184/2003 em trâmite atual junto ao Senado Federal, definitivamente, não contempla as efetivas necessidades dos cidadãos sujeitos ou não à paternidade, seja de que natureza esta for.